quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O Último Natal

Saudações literárias veganas,

Quero iniciar a minha tentativa de colaboração com o blogue compartilhando estes oportunos versos para essa época do ano.


Abraços!

Ortegal




O último natal


Chegou o natal dia sem par

E o peru do quintal onde foi parar?

À noite somente uma certeza

A morte aguarda-me à mesa

Não ouço mais seu grugulejo

Abro os olhos e o que vejo?


No prato

Cercado de ornamentos

Em pose indecorosa

De fato

Disfarça o tormento

De uma morte dolorosa


A este pedaço de carne

Dão cuidados e muito zelo

Mas agora é muito tarde

Já viveu todo um flagelo


Os comensais brindam,

Sem remorsos

E para trás ficam

Só os ossos


Pensam que celebram o nascimento

De alguém especial

Mas se alegram com o sofrimento

De um pobre animal


Pais, amigos, tias

Ignoram o horror

Cortam-lhe em fatias

E só sentem o sabor


Troco presentes

Finjo alegria

Não era bem esta

A ceia que eu queria

Para alguns é festa

Para outros, agonia



(suposta autora de Affonso Romano de Sant´Anna)



Versão com fundo musical e imagens no youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=TH--KvwxYpE

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

História de um Matadouro

(Daniel Kirjner)

Oito horas da noite, caminho pelas ruas desertas fazendo soar as pancadas de meu salto no chão por muitas léguas. Já não há mais ninguém, pelo menos que eu saiba da existência. Só vejo uma enorme solidão, à frente e atrás. Paro, tiro minha pena e começo a escrever.

Vago meus últimos dias por sobre este planeta, poucas horas me restam de autocontrole. Sinto fome, só isso, nada mais. O alimento cessou de existir a algumas semanas, e os poucos restos de sobrevida já arranquei deste mundo deserto. Só resta a espera, loucura, desespero e, por fim... bem, não sei o que vem depois, se tudo em que acredito vivia neste local. O rebanho era enorme, farto, opulento. Alimentava-me como um rei, muitas e muitas vezes, sem jamais sentir qualquer indisposição. Era conhecido como matadouro, nome que muito me agradava e envaidecia. Grande bosta! Hoje sei que qualquer vaidade é transitória. Sempre me considerei um solitário, queria o mundo sem concorrência, exclusivo para o meu deleite, mas não existe prazer sem luta. O que esgotou o alimento não foi só a morte em massa de animais, mas também seu excesso. Por muito tempo, o banquete foi farto demais. A comida estragou e eu, confiante, voraz e exagerado, estraguei a mim mesmo.

Deixo registrado o ocorrido nas linhas que seguem, para a posteridade, ou talvez para informar alguma forma de existência racional que consiga superar a rudeza deste planeta. A humanidade sempre sacrificou animais para comer. Desde suas formas mais primitivas, a caça sempre foi a principal fonte de energia para o corpo. Mesmo depois da descoberta e desenvolvimento da agricultura isso não mudou. Particularmente, tenho uma teoria sobre esse fato: Homo Sapiens Sapiens fica facilmente entediado e a crueldade – digo por experiência própria – é a forma mais divertida de passar o tempo. De volta ao acontecido, a humanidade evoluiu, criou o shopping center e, não mais que de repente, tinha tantas coisas para fazer que não podia mais caçar. Mas isso não os fez abandonar a carne, pelo contrário, começaram a pagar para que esta fosse produzida em grandes quantidades. Claro que os animais comidos tinham vidas e, consequentemente, doenças. Tecido doente não se come, nem cresce, muito menos vira lucro. Logo os seres humanos passaram a entupir seu rebanho de remédios e quem ficava forte era outra forma de vida desprezível. Primeiro veio a gripe de vaca, depois a do frango e a do porco, mas todas estas foram superadas com menos baixas. O que liquidou tudo não foi um vírus, mas um fungo que se espalhava pelo ar e tinha grande facilidade de se reproduzir em meio à gordura animal armazenada, consumindo-a primeiro e, na falta dela, atacando os órgãos internos de seu hospedeiro.

O destino é mesmo um clichê de ficção científica. Fungos resistentes a antibióticos! Isso sim é muito engraçado. E o mais hilário é que não apareceu um Texano de espingarda para salvar ninguém e se tivesse vindo por aqui eu mesmo teria me banqueteado do sujeito. Mais engraçada ainda é a minha sina. Eu, que a mais de trezentos anos não ponho um pedaço de carne na boca, persisto como último ser da terra. Não posso me gabar de estar vivo, porque não estou, mas o fato de não respirar ou comer e estar podre e atrofiado por dentro me ajudou a continuar vagando por aí. Os fungos são meus companheiros a séculos e já cearam os órgãos que parei de usar. Você deve estar se perguntando que criatura bizarra fui, já que se esta carta esta sendo lida, há tempos devo ter virado pó. Sou um Vampiro. De certa forma, não sou muito diferente dos outros humanos que viveram na terra, aliás, já fui um deles. Ambos pertencemos a uma sociedade cruel, que se alimentou da morte de outras espécies inferiores ao nosso olhar. Caçamos, brigamos, cobiçamos, flertamos e bebemos. As diferenças são apenas duas: eles fodem para ter prazer, nós bebemos sangue; eles matam galinhas, vacas e sardinhas, nós os matamos. Não há muita diferença, afinal, entre matar uma galinha ou um ser humano. O sangue humano é mais gostoso, além do que eles sabem implorar pela vida, coisa sempre muito prazerosa e importante no ritual da caça.

Já sinto o fim se aproximar. A Besta! Um instinto destrutivo incontrolável que existe em todos os seres que estão perecendo pela fome, ela é mais forte ainda nos vampiros, nossa maldição, ante-sala do fim. Despeço-me enquanto ainda tenho o dom do raciocínio, pois para um filho de Malkav a loucura chega mais rápido. Adeus! Quem sabe te vejo no inferno.