sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Vozes Vegetarianas na Literatura: Coetzee

Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2003, o sul-africano John Maxwell Coetzee faz eco à ideia defendida por Bashevis Singer, outro laureado, de que os homens escravizam, torturam e exterminam em massa os animais, assim como os nazistas fizeram com os judeus. Tal concepção surge em diversos trabalhos seus. O exemplo mais óbvio é o livro “A Vida dos Animais”.

Convidado a proferir uma palestra na Universidade de Princeton, o escritor surpreendeu sua audiência. Em lugar de um ensaio teórico, ele leu esta inquietante narrativa sobre a relação entre os homens e os animais. O romance é protagonizado por uma escritora, Elizabeth Costello, que, assim como Coetzee, se prepara para um ciclo de conferências e discorre sobre as questões filosóficas e éticas que envolvem o nosso trato com os animais. Num bem articulado jogo entre ficção e realidade, teoria e prática cotidiana, Coetzee nos conduz por questionamentos sobre a vida e a razão. A prosa inflamada de Elizabeth Costello, vegetariana radical, faz uma polêmica analogia entre o abate do gado bovino e o holocausto nazista. As resistências às suas idéias começam em ambiente familiar. Hospedada na casa do filho, ela tem que contrapor suas convicções ao dia-a-dia da família.

Talvez a porção final do texto, em que Elizabeth Costello faz um doloroso desabafo ao seu filho, seja a mais primorosa síntese que dele próprio se possa fazer:

Aparentemente, eu me movimento perfeitamente bem no meio das pessoas, tenho relações perfeitamente normais com elas. É possível, me pergunto, que todas estejam participando de um crime de proporções inimagináveis? Estou fantasiando isso tudo? Devo estar louca! No entanto, todo dia vejo provas disso. As próprias pessoas de quem desconfio produzem provas, exibem as provas para mim, me oferecem. Cadáveres. Fragmentos de corpos que compraram com dinheiro. É como se eu fosse visitar amigos, fizesse algum comentário gentil sobre um abajur da sala, e eles respondessem: 'Bonito, não é? Feito de pele judaico-polonesa, é o que há de melhor, pele de jovens virgens judaico-polonesas.' E aí eu vou ao banheiro, e a embalagem do sabonete diz assim: 'Treblinka – 100% estearato humano'. Será que estou sonhando, pergunto a mim mesma? Que casa é esta? E não estou sonhando, não. (...) Calma, digo para mim mesma, você está fazendo tempestade em um copo d´água. Assim é a vida. Todo mundo se acostuma com isso, por que você não? Por que você não?


Vegetariano convicto, Coetzee já afirmou:


Sim, sou vegetariano. Acho bastante repulsiva a ideia de rechear minha garganta com fragmentos de cadáveres e me surpreende ver quanta gente o faz todos os dias.