domingo, 11 de outubro de 2009

Vozes Vegetarianas na Literatura: Tolstói


O romancista russo Leon Tolstói (1828-1910) levou a cabo a experiência à qual a maior parte de nós se recusa, aquela mesma experiência considerada pelo filósofo escocês John Oswald (1760-1793) como um alerta à sensibilidade natural do homem: Tolstói visitou um matadouro. O escritor, bem como qualquer vegetariano de qualquer outra época, estava acostumado a viver em uma sociedade erigida sobre a exploração animal. Já ouvira todas as razões antigas e conhecidas pelas quais matar animais para comer é aceitável e até natural, coisas como “Deus permite”, ou “todo mundo faz assim”. A respeito disso, escreveu ele:

Não existe mau cheiro, som, monstruosidade aos quais o homem não consiga se acostumar a ponto de deixar de ver, escutar e cheirar a aparência, o som e o odor do mal.

Tal convicção reforçou-se ainda mais com sua visita ao matadouro, descrita por ele nas seguintes palavras:

(...) na longa sala, já impregnada com o cheiro de sangue, só havia dois açougueiros. Um soprava a perna de um carneiro morto e batia no estômago inchado com a mão; o outro, um rapaz de avental emplastado de sangue, fumava um cigarro torto. (...) Depois de mim entrou um homem, aparentemente um ex-soldado, trazendo um jovem carneiro de um ano, preto com uma marca branca no pescoço, de patas amarradas. Este animal ele o pôs sobre uma das mesas, como se numa cama. O soldado velho saudou os açougueiros, que evidentemente conhecia, e começou a perguntar quando o seu patrão lhes permitia ir embora. O camarada com o cigarro aproximou-se com o facão, afiou-o na borda da mesa e respondeu que estavam de folga nos feriados. O carneiro vivo estava ali deitado, tão silencioso quanto o morto e inflado, a não ser por sacudir nervosamente o rabo curto e os lados a se alçarem com mais rapidez que de costume. O soldado baixou gentilmente, sem esforço, a cabeça levantada; o açougueiro, sem parar de conversar, agarrou com a mão esquerda a cabeça do carneiro e cortou-lhe a garganta. O animal tremeu, e o rabinho endureceu e parou de abanar. O camarada, enquanto esperava o sangue correr, começou a reacender o seu cigarro, que se apagara. O sangue corria, e o carneiro começou a agonizar. A conversa continuou sem a mínima interrupção. Era horrivelmente revoltante.

Para nós, hoje, seria um alívio (ainda que um alívio questionável) descobrir que os matadouros de agora são menos “revoltantes” do que aquele que Tolstói descreve. A verdade é bem outra. A frieza com que os animais são mortos é exatamente a mesma. São diferentes apenas duas coisas: hoje, os animais são mortos em escala industrial, no que poderíamos de chamar de verdadeiras “linhas de desmontagem”, que contam com as mais bizarras tecnologias (esteiras com ganchos para suspender as vítimas, serras elétricas, tonéis de escalda etc.); além disso, os matadouros não param mais nos feriados – funcionam noite e dia, ininterruptamente, para atender a imensa e crescente demanda por carne.

Um comentário:

Daniel Kirjner disse...

Tolstoi era uma figura impressionante. Acho que é o único indvíduo que tenho conhecimento que foi único. Sua vida é uma coletânea de subversões da ordem de sua vida e até sua morte é um retrato de sua inadequação em relação à socialização que teve! Um Gênio atemporal!