terça-feira, 22 de setembro de 2009

Vozes Vegetarianas na Literatura: Romain Rolland


Uma das vozes vegetarianas mais fortes na literatura é a do escritor francês Romain Rolland (1866-1944), vencedor do Prêmio Nobel de Literatura.

Rolland doutorou-se em Arte em 1895, foi professor de História da Arte na École Normale de Paris e professor de História da Música na Sorbonne. Para além da sua atividade docente, foi um reconhecido crítico de música. Estreou na escrita em 1897 com a peça "Saint-Louis", que, juntamente com "Aërt" (1898) e "Le Triomphe de la Raison" (1899), fez parte da trilogia "Les Tragedies de la Foi" (1909). Em 1910 retirou-se do ensino para se dedicar inteiramente à escrita.

Na sua obra, concilia o idealismo patriótico com um internacionalismo humanista. Escreveu peças de teatro, biografias ("Vie de Beethoven", 1903; "Mahatma Gandhi", 1924), um manifesto pacifista ("Au-dessus de la mêlée", 1915) e dois ciclos romanescos: "Jean-Christophe" e "L'Âme enchantée".

O importante romance em dez volumes de Rolland, "Jean-Cristophe", conta a história de um músico e compositor que se afasta do mundo e reflete sobre os seus muitos males. Não é um romance cômico. Está cheio até a borda daquilo que Rolland acredita ser a pior tragédia do mundo: a chacina de animais para comer. Escreve Rolland:

Com toda veemência de sua (...) natureza, [Cristophe] sondou as profundezas da tragédia do universo: ele sofria todo o sofrimento do mundo e ficara, ensangüentado, em carne viva. Olhava os olhos dos bichos e via uma alma como a sua, uma alma que não sabia falar; mas os olhos gritavam por ela:
O que te fiz? Por que me feres?
Ele não suportava ver as coisas mais ordinárias que vira centenas de vezes – um bezerro chorando num cercado, com olhos grandes e esbugalhados, de branco azulado e pálpebras rosadas, e pestanas brancas, os tufos de pêlo branco e encaracolado na testa, o focinho arroxeado, as pernas ainda trêmulas; – um cordeirinho sendo carregado por um camponês com as quatro patas amarradas, de cabeça para baixo, tentando manter a cabeça levantada, gemendo como uma criança, balindo e esticando a língua cinzenta; – aves amontoadas num cesto; – os guinchos distantes de um porco sendo sangrado; – um peixe a ser limpo na mesa da cozinha... As torturas inomináveis que os homens infligem a estas criaturas inocentes faziam doer o seu coração. Concedei aos animais um vislumbre de razão, imaginai que pesadelo apavorante é, para eles, o mundo: um sonho de homens de sangue-frio, cegos e surdos, que lhes cortam a garganta, abrem-lhes o peito, evisceram-nos, cortam-nos em pedaços, cozinham-nos vivos, às vezes rindo-se deles e de suas contorções enquanto padecem em agonia. Há coisa mais atroz entre os canibais (...)? Para um homem cuja mente é livre há algo de mais intolerável no sofrimento dos animais do que no sofrimento dos homens. Afinal, no caso destes últimos, pelo menos se admite que o sofrimento é cruel e que o homem que o causa é um criminoso. Mas milhares de animais são abatidos inutilmente todos os dias sem sombra de remorso. Se algum homem se referisse a isso, seria considerado ridículo – e este é um crime imperdoável. Esta, sozinha, é a justificativa de tudo o que os homens sofrem. Exige a vingança de Deus. Se existe um Deus bom, então até a mais humilde das coisas vivas deveria ser salva. Se Deus é bom somente com os fortes, se não há justiça para os fracos e inferiores, para as pobres criaturas que são oferecidas em sacrifício à humanidade, então não existe esta tal bondade, esta tal justiça...

Palavras contundentes, que até hoje apelam à nossa sensibilidade.

Um comentário:

Daniel Kirjner disse...

Muito contundentes mesmo!
Sensacionais....
Mas estão distantes de mim. Há poucas semanas comecei a ler e, de fato, muito demorará para que eu possa passar os olhos em toda a infância e adolescência de Jean-Cristophe e contemplar sua maturidade. Um dia eu chego lá!